Às tantas, uma amiga perguntava-me do que é que eu sentia mais falta, estando em Lisboa. A resposta é óbvia para mim, e acho que para toda a gente: dos meus pais e dos meus avós.
Todos nós passamos por aquela fase de "Quero fazer 18 anos depressa para ir viver sozinho." sobretudo quando se vive numa terra pequena, em que as únicas coisas que podemos fazer é ir à praia no Verão, comer um pãozinho bem bom na Belíssima e pôr a conversa em dia, sair sábado à noite no Alex ou no Lança.
Os mais velhos, que concretizavam este sonho primeiro do que nós e aos quais rugávamos pragas por já terem atingido a independência, diziam-nos que nos iamos arrepender de querer tanto ir embora, que quando fossemos, só queriamos voltar para o sítio que nos viu crescer, para os braços protetores da nossa família.
Ora pois eu agora estou no papel dos mais velhos, e é só tal e qual. Agora, o que eu mais quero é que chegue a sexta-feira para fugir à estafa que a minha vida se tornou desde o ano passado, chegar ao meu Paraíso, sair sábado à noite se o pessoal estiver para aí virado, ir comer um bom pãozinho na Belíssima, correr desalmadamente para os braços dos meus pais e dos meus avós.
- E não te custa saberes que secalhar eles estão com um problema qualquer e não te dizem para não te preocupares?
Sinceramente, tudo me custa. Custa-me vir embora e não os poder trazer. Custa-me falar à noite com eles e não os ver, não lhes tocar, não ouvir o meu pai cantar um qualquer fado do Camané, não ouvir a minha mãe contar as cusquices do salão, não ouvir a minha avó atrofiar com o meu avô e ele distorcer tudo o que ela diz porque está cada vez mais surdo, não ver a minha bisavó mimar os nossos gatinhos bebés e dizer as idiossincrasias típicas dela.
Mas eu percebo quando eles não estão bem, pela voz, pelas expressões, pela forma como falam comigo. Os meus pais desabafam muito comigo, sobretudo o meu pai. Preocupa-me mais a preocupação que eles têm comigo.
Talvez por causa dos últimos acontecimentos totalmente devastadores para toda a gente, sobretudo para quem é pai, eles têm mostrado uma preocupação "excessiva" comigo, principalmente o meu pai que, nunca o sendo antes, desde que me mudei para Lisboa tornou-se num pai-galo.
A minha mãe hoje ligou-me e disse-me que ele estava "cheio de stresses" e que era melhor eu lhe ligar para ele se acalmar. (Eu ia dar um saltinho à terrinha, mas houve uma falha de comunicação entre mim e a minha mãe, como até vai sendo habitual, e ficou tudo em águas de bacalhau).
Liguei-lhe. Senti na voz dele que gostou que lhe ligasse. Não o senti com os seus stresses habituais, mas sim com um coração de pai destroçado, como que em solidariedade. Perguntei-lhe o que se passava, e ouvi aquilo que já sabia "Não páro de pensar no X. e na G. A vida para eles deixou de ter sentido, nem consigo imaginar como eles devem estar destroçados. Ainda por cima ando para aqui sozinho, não falo com ninguém, não faço mais nada que é pensar neles. Enterrar um filho deve ser a mesma coisa que enterrarmo-nos a nós próprios, vivos." Deixei-o falar, desabafar, sentir que a filha dele estava do outro lado do telefone e a ouvi-lo com atenção. Tentei fazer com que se sentisse seguro por eu estar a falar com ele. Nestas alturas, o medo começa a contagiar todos os pais. O que é normal.
E também é normal que eles só fiquem descansadas sexta-feira, quando me apertarem até os olhinhos me saltarem.
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